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"As Crónicas de Gelo e Fogo" I a X

A minha prateleira

Finalmente concluí os dez volumes literários de as Crónicas de Gelo e Fogo. Se escrevo isto com um sentimento de dever cumprido e de satisfação também o escrevo com uma certa nostalgia que dá vontade de começar tudo de novo. Cada linha chama pela próxima, e cada momento nos impele a querer saber mais.

G.R.R.Martin consegue uma complexidade de enredo notável. Por vezes é tão povoado que se torna mesmo complicado de seguir. Porém, e mesmo tendo uma quantidade absurda de personagens com fortes personalidades, há uma vincada hierarquia de importância que nos conduz por todas as relações.

Essa distinção é desde logo feita pelos nomes dados aos capítulos, que são dedicados às personagens principais. Em vários momentos cada uma destas personagens se encontra em partes diferentes do mundo e tem por isso um contexto específico, com um ambiente e outras personagens que os rodeiam.

Assim, não são poucas as vezes que se sente que não estamos perante apenas uma história, mas várias. Cada história, apesar de eventualmente se relacionar com as outras, tem o seu próprio herói ou heroína, com as suas agendas. Cada um tem um passado que o move e motivações para as suas acções. Dentro de cada história existem conflitos nesse mesmo ambiente individual de cada um. Daenerys encontra amigos, inimigos, desafios e conquistas nas cidades livres. O mesmo se passa com Tyrion, Bran, Jon Snow, Jaime, Cersei, Sansa, Arya, Sam e todas as personagens principais, até nos encaminhar ao momento em que os seus mundos colidem e se nos apresentam os conflitos principais.

Apesar de estarmos sempre a ser alimentados por enredos, Martin cria um crescendo de ansiedade que nos agarra à espera deste confronto. Nos Sete Reinos ouve-se falar de dragões que estão nas cidades livres sob o comando de uma aguardada rainha Targaryen que não conhece o seu reino.  Temos, por um lado, Daenerys cuja aventura é regressar a um reino desconhecido para o governar, e por outro, o dos líderes dos Sete Reinos que é enfrentar esta ameaça.

Na Muralha, Jon, que luta para cumprir o seu dever de Senhor Comandante, e toda a Patrulha da Noite, enfrentam a ameaça para lá da muralha, os white walkers que ameaçam a humanidade. Por outro lado, temos os wildlings que fogem deles e querem entrar.

Estes são apenas exemplos que ilustram a multiplicidade de pontos de vista presentes na obra. Inclusive, é comum conhecermos o desfecho de um acontecimento através do ponto de vista de um personagem e de seguida nos encontrar-mos num capítulo em que os personagens desconhecem esse desfecho e cuja linha narrativa se desenvolve como se aquela ação não tivesse ainda acontecido, devido à sua ignorância da mesma, tornando por vezes o leitor numa espécie de entidade omnipresente no mundo que sabe o que se passa mesmo antes de quem lá vive. Outras vezes, no entanto, Martin apresenta mistérios cujas ligações o leitor tem de fazer, proporcionando um sentimento de gratificação por toda a atenção dada. É o caso de, por exemplo, a Senhora Coração de Pedra cuja identidade só após algumas aparições se revela.

Neste universo não existem apenas dois pólos, mas um emaranhado de conflitos e ameaças que precisam ser  navegados, muito à semelhança da vida real, em que apesar de não existirem dragões ou mortos vivos, os conflitos humanos se expressam da mesma forma.

Aliás, se não chegasse facilmente nos identificarmos com as intrigas, muito tem feito referência a crítica internacional às semelhanças desta ficção a conflitos históricos como a Guerra das Rosas ou o Império Romano.

"As Crónicas de Gelo e Fogo", sendo um best seller e uma referência no género de fantasia, é tão bem escrito que nos permite refletir sobre a perversidade humana sem nos identificar-mos demasiado com ela. A estranheza criada pelo mundo fantasioso faz com que as acções bizarras dos personagens pertençam também ao mundo da fantasia e assim nos faça enfrentá-lo sem necessidade de nos sentirmos agredidos. Digamos que é a beleza do horrendo.

No final do décimo livro Tommen reina sobre os Sete Reinos, o que deixa um enorme leque de possibilidades para o desenvolvimento da narrativa no próximo livro da saga de G. R. R. Martin.

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