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A mostrar mensagens de junho, 2018

Quando o passado já não tem lugar no presente

Escrevi aqui no blogue, há uns tempos, uma review sobre " Patrick Melrose" ,  uma série britânica que explora como os traumas de criança da personagem principal afetam a sua vida adulta. Escrevi também sobre a peça de Hannah Gadsby, "Nanette"  , em que ela faz, num espetáculo de humor, uma brilhante argumentação contra a comédia como meio de lidar com situações traumáticas. A propósito destas coisas, e muitas outras que fui vendo e lendo, inclusive conversas com amigos e amigas, tenho-me questionado quando é tempo de pôr um ponto final e deixar certos traumas onde pertencem: no passado. Qual é a altura de deixar o passado no passado e até que ponto é que reviver situações desagradáveis é saudável para quem as viveu? A propósito disso, fiz uma breve pesquisa e deparei-me com um artigo de 2014 do The Guardian , que fala precisamente sobre isso e ilustra alguns dos pontos que já me têm surgido. Walter Mischel, mais conhecido pelo teste do Marshmallow, q

Beauty (1994) de Hubert Boulard

Coddie é uma rapariga pobre, muito feia e quase sem amigos. A sua vida é monótona e difícil e o seu maior desejo: ser tão bonita que ninguém pudesse questionar a sua beleza. Essa seria a solução para todos os seus problemas. Um dia, enquanto desabafa com um animal viscoso, solta uma lágrima de compaixão. Esse era o ingrediente necessário para libertar Mab, a fada cujo feitiço a imprisionara naquele animal. A título de gratidão, Mab concede um desejo a Coddie. Apesar de não a poder tornar bonita, pode mudar a percepção de todos os que a vêm. E assim Coddie passa a Beauty e toda a sua vida muda.  Porém, pouco a pouco, Beauty vai descobrir que Mab é a metade malévola de um par de irmãs, e começa a questionar se o presente que recebeu foi uma benção ou uma maldição. É uma banda desenhada cheia de boa disposição que nos questiona sobre o que será mais importante num ser humano. Tem personalidades femininas de contrastes fortes, o que cria uma dinâmica engraçada que salt

Nanette (2018) de Hannah Gadsby e a dor que o humor esconde

Desconhecia de todo Hannah Gadsby, mas bastou-lhe pouco mais de uma hora para me conquistar totalmente.  Nanette (2018) é o espetáculo mais recente da comediante australiana e explora o humor como forma de lidar com a dor, cristalizá-la, escondê-la e minimizá-la. É uma comédia que chama a atenção para a necessidade de não tratar como comédia temas sem piada, argumentando constantemente contra si própria. É uma chamada de atenção à auto-depreciação que, apesar de ter sido defendida por filósofos estóicos como uma das melhores armas contra o insulto, pode também ser nociva. Não será afinal essa uma reação de medo?  Não conheço os espetáculos anteriores da autora, mas pelo que conta fez carreira com piadas sobre os problemas da sua vida. Desde a dificuldade que teve em assumir a sua sexualidade numa pequena cidade da Tasmania, onde a homossexualidade era ainda considerada crime em 1997, à necessidade que temos de nos sentir inseridos em grupos e a todas as dificuldades que

"As Crónicas de Gelo e Fogo" de G.R.R. Martin - Livro I e II

Não era sem tempo de começar a ler os livros de um dos meus universos de fantasia preferidos. Já tinha lido alguns outros livros do autor, como "O Dragão de Gelo" (1980) e "Histórias dos Sete Reinos" (2013) que,  apesar de pertencer ao mesmo universo,  tem lugar cerca de 100 anos antes da história cuja narração se inicia em "A Guerra dos Tronos". Mas é nas "Crónicas de Gelo e Fogo" de G. R. R. Martin que me perco completamente. Esta crítica refere-se à leitura do primeiro e segundo livros da saga,  os que consegui até agora completar.  Convém salientar que antes de ler o livro já sabia que linhas gerais da história esperar.  Como já mencionei no blogue,  já vi a série televisiva a que esta história dá corpo no mínimo 3 vezes,  na íntegra.  Sendo a ressaca já grande e sabendo que mais não ia descobrir com uma quarta visualização completa,  lembrei-me que existem 10 volumes literários cujas palavras me eram desconhecidas. De oito ai

Patrick Melrose (2018)

A nova mini-série da Showtime, "Patrick Melrose", baseada nos livros do jornalista e autor britânico Edward St. Aubyn, conta, em 5 episódios, a história de vida de Patrick e da sua tentativa de superação da dependência de drogas. À medida que o vemos a batalhar com a toxicodependência, rodeado de luxos e de tentações, conhecemos os demónios que constantemente o empurram para o esquecimento, como a conturbada relação com o seu pai, de quem sofreu diversos tipos de abusos, ou com a sua mãe, da qual foi vítima de enorme negligência.   Benedict Cumberbatch dá vida a esta personagem neurótica, numa atuação brilhante, já muito esperada desde que a última temporada de Sherlock (2010) terminou. Cada episódio é recheado de bonitos planos e composições, de humor negro capaz de fazer soltar umas gargalhadas, uma boa banda sonora e também de emoções mais tristes que nos lembram que, apesar de toda a excentricidade, há nesta história uma enorme injustiça na educação de um

Beren e Lúthien de J. R. R. Tolkien

A história Beren e Lúthien é uma história de amor sublime, recheada de coragem e aventura, compromisso e aceitação. Neste livro, que nos apresenta a evolução da lenda de um amor gigante, somos apresentados a diversas versões. Numa primeira, Beren é um gnomo, termo usado para designar elfos inferiores, e numa segunda, é filho dos Homens. O que é constante é a controversa e difícil conquista da liberdade para amar entre Lúthien, cujo pai não aceita o amor a um ser inferior, e Beren, que se submete a perigosas aventuras para lhe provar o seu valor. Antes de mais, interessa saber que o livro, editado pelo filho do autor J. R. R. Tolkien, Christopher Tolkien, com agora 93 anos, conta a história que sempre serviu de reflexo à vida amorosa do autor. No seu túmulo e no da sua mulher, Edith, pode ler-se Beren e Lúthien em baixo dos seus nomes reais. É também a história original que se reflete no amor de Aragon e Arwen (que é descendente de Lúthien), em "O Senhor dos Anéis&qu