Escrevi aqui no blogue, há uns tempos, uma review sobre "Patrick Melrose", uma série britânica que explora como os traumas de criança da personagem principal afetam a sua vida adulta. Escrevi também sobre a peça de Hannah Gadsby, "Nanette" , em que ela faz, num espetáculo de humor, uma brilhante argumentação contra a comédia como meio de lidar com situações traumáticas.
A propósito destas coisas, e muitas outras que fui vendo e lendo, inclusive conversas com amigos e amigas, tenho-me questionado quando é tempo de pôr um ponto final e deixar certos traumas onde pertencem: no passado. Qual é a altura de deixar o passado no passado e até que ponto é que reviver situações desagradáveis é saudável para quem as viveu?
A propósito disso, fiz uma breve pesquisa e deparei-me com um artigo de 2014 do The Guardian, que fala precisamente sobre isso e ilustra alguns dos pontos que já me têm surgido.
Walter Mischel, mais conhecido pelo teste do Marshmallow, que foi recentemente questionado por novas pesquisas, apareceu, à data do artigo, com a teoria de que falar repetidamente sobre um evento traumático pode torná-lo pior.
Lê-se no artigo: "He has discovered that talking about your trauma doesn’t, as is often advised, necessarily diminish the ill effects, but can make them worse." Aconselho a leitura para quem se interessar pelo tema.
Ao passo que acerca do teste Marshmallow, que testa o auto controlo das crianças e prevê o sucesso que terão na vida, duvido seriamente dos resultados e acredito que as condições sociais e económicas têm relevância na sua performance, no que diz respeito à maneira como se lida com experiências traumáticas, estou inclinada a concordar.
A ciência diz que traumas de infância têm um impacto significativo na vida dos indivíduos em adultos (TEDx sobre isto abaixo), e reviver as histórias traumáticas pode, em oposição a normalizá-las na mente e fornecer um esquema mental para lidar com a experiência, ativar sucessivamente os sentimentos negativos associados à experiência, criando um stress toxico que se pode tornar problemático. Assim, em vez de lidar com o trauma, o indivíduo revive-o constantemente, em formas e contextos distintos, mas tendo vários reflexos da experiência pela qual passou.
Desta forma, o distanciamento parece-me muito útil. Deixar uma situação traumática no ambiente a que ela pertence, muitas vezes já extinto e sem reflexo na realidade, pode ser a melhor solução. Porquê trazer essas experiências de volta? Principalmente se for para projectá-las em novos cenários onde na realidade não existem. No artigo usam a expressão "scratching a mosquito bite" e em português temos a " é pior a emenda que o soneto" que, me parece a mim, faz jus à questão.
Além do mais, tudo isto varia muito se for a própria pessoa que se sente fragilizada a trazer o assunto volta, ou se são estímulos externos que o fazem.
Deixo então o TEDx que mencionei, da pediatra canadiana Nadine Burke Harris, cujo trabalho se foca precisamente sobre o trauma.
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