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Better Call Saul (2015 - )



Spin Off da aclamada série televisiva "Breaking Bad" (2008 - 2013), Better Call Saul (2015 - ) é uma prequela que nos leva atrás na história de Saul Goodman, mostrando como o seu percurso o levou aos eventos a que assistimos em "Breaking Bad".

A série não é nova, mas encontrando-se atualmente na 5 temporada penso que vale a pena chamar a atenção por toda a mestria que demonstra a vários níveis, desde a escrita e á representação, mas quero focar-me essencialmente  nas artes da cinematografia e da edição ou montagem, após um breve enquadramento.

Jimmy McGill é o irmão mais novo de Chuck, conceituado advogado e sócio do famoso escritório HHM. Ao contrário de Chuck, que é respeitado e estimado no seu meio profissional, Jimmy tirou o seu curso numa universidade de reputação duvidosa e é olhado como um outsider que ninguém percebe muito bem como é que foi ali parar. O próprio irmão o vê dessa forma, a ovelha negra da família. A única pessoa que está sempre do seu lado e o tenta compreender é Kim Wexler, também advogada e companheira de Jimmy desde há muito.

No início da história, assistimos á forma como Jimmy lida com as problemas familiares que lhe traz a difícil relação com o irmão, do qual está constantemente á procura de aprovação, tentando integrar-se nos seus moldes ideais, até chegar a um ponto em que, após muita revolta, a sua identidade se afirma e com ela surgem novos desafios.
Quem viu "Breaking Bad" sabe o desfecho de Saul Goodman e esta história não tenta disfarçar esse facto. Passando-se no mesmo universo, no início de cada temporada são mostradas cenas a preto e branco do futuro (ou presente, dependendo se nos situamos temporalmente através de "Breaking Bad" ou "Better Call Saul"), após os eventos de "Breaking Bad", lembrando-nos do fatalismo do destino da personagem principal. Em vez de nos tentar enganar, "Better Call Saul" foca-se no porquê e como Jimmy McGill se tornou no vigarista e corrupto Saul Goodman.

Jimmy tem bom coração mas vive constantemente na corda bamba entre fazer o que é certo e errado, muitas vezes escolhendo o emocionante em vez do correto. Apesar das suas criativas soluções para os problemas que lhe aparecem, do ponto de vista moral deixa muito a desejar. A génese da sua relação com Kim constata isto mesmo. A diferença de perspetiva e valores que ambos adotam coloca em questão as decisões de Jimmy... Que se vão tornando cada vez mais ousadas.

Se inicialmente esta história com um final bem explícito não nos transporta para o universo surreal de Walter White, em que embarcamos numa jornada totalmente imprevisível, essa conexão fica de certo bem entregue á cinematografia e á edição que além de mostrarem grande criatividade e diversidade de estilos, fazem numerosas associações poéticas entre elementos.

Tudo é pensado e as associações encontram-se a cada cena. As ideias não são dadas, mas subentendidas, cativando a nossa atenção na tentativa de desmontar o puzzle que são os planos, intenções e ações dos personagens. Não são poucas as vezes que as respostas dadas ás questões de uma situação são apenas dadas numa outra situação análoga, dando-nos a sensação de todos naquela história estarem interligados.

Se há obra que leva á letra "show, don't tell" é esta. As imagens são mostradas sem ser preciso fazer grande exposição, revelando os seus segredos á medida que as ações avançam. Torna-se assim num mistério constante a  resolver, apesar de se saber o desfecho geral.

O ritmo é bastante lento, lembrando-nos da banalidade da realidade de Jimmy e dando tempo para refletir sobre a moralidade das ações. O uso de pausas é repetidamente feito para dar tempo ás imagens para respirarem e para que quem está a ver consiga refletir sobre os dilemas apresentados. E além disso, a série foca-se de uma forma quase obsessiva nos detalhes, enfatizando não só o que se faz, mas o como se faz, tema central em toda a narrativa que, tal como a sua antecessora, explora as áreas cinzentas entre o certo e o errado.

Nessa dinâmica, a edição, da responsabilidade de Chris McCaleb (que também trabalhou em "Breaking Bad"), tem um papel fundamental e varia imenso dependendo do mood da cena e da perspectiva que quer mostrar, demonstrando enorme versatilidade.

Apesar do ritmo lento e do cariz detalhado, "Better Call Saul" nunca se torna aborrecida.

Além dos personagens cativantes como Jimmy, Kim e Mike Ehrmmantraut, as imagens são mostradas através de enquadramentos criativos que dizem mais do que os próprios diálogos. A cinematografia, inicialmente da responsabilidade de Albert Arthur e depois de Marshall Adams, recorre muitas vezes a ângulos pouco usuais e a Wide shots para colocar em confronto a personagem com os que o rodeiam, mostrar o seu isolamento e deixar bem claro que a vida de Jimmy é um one-man-show. Ele fará sempre o que necessita para obter o que quer, mesmo que isso o comprometa e aos que o rodeiam.

Estes reparos chamam a atenção para apenas algumas das peculiaridades desta produção que para ser percebida na íntegra o melhor mesmo é ser vista.

Deixo dois vídeos que encontrei, entre outros, disponíveis no YouTube que exploram também estas questões:




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