"The Breadwinner" (2017), dos mesmos criadores de "Song of the Sea" (2014), é um soco no estômago. Uma animação cheia de cor e magia narrativa que se mistura com a dura realidade vivida num Afeganistão controlado por talibãs. Apesar de não ser uma história feliz, é uma história cheia de esperança.
O filme, de origem canadiana, irlandesa e luxemburguesa, é adaptado de um conto homónimo e conta a história de Parvana, uma menina de 11 anos, que após ter lidar com a prisão do seu pai, se vê obrigada a mascarar-se de rapaz para garantir a subsistência da família, numa realidade em que as mulheres não têm quaisquer direitos ou autonomia.
Parvana vive com o pai, a mãe, a irmã mais velha e o irmão bebé, na cidade de Cabul. O pai é um ex-professor de história e, na sua família, a fantasia e as histórias têm um lugar especial. "As histórias permanecem no nosso coração mesmo quando o tudo o resto se vai", ensina-lhe o pai.
Inválido de uma perna, conta com Parvana para o ajudar na loja ambulante que mantêm no solo sujo das ruas da cidade, algo que desagrada bastante aos extremistas. Se há um motivo porque Parvana ainda se pode expôr nas ruas com o seu pai, é pela sua idade e inocência, que lhe permite passar um pouco mais despercebida. Mas todos os clientes são um possível opressor, uma ameaça. As mulheres pertencem em casa, e não com os homens nos negócios, mesmo que sejam a única ajuda disponível. Quando o seu pai é acusado de desrespeitar as leis, possuir livros proibidos e é preso, as três mulheres e o jovem rapaz ficam sem meios de sobrevivência. A mãe de Parvana corta-lhe o cabelo, veste-lhe as roupas do irmão mais velho que morreu explodido por uma mina, e Parvana sente a liberdade de ser um rapaz numa realidade em que as mulheres não têm voz ou autoridade. Onde antes se recusavam a vender arroz, agora fazem piadas e vendem-no de bom grado. Onde questionavam a santidade da sua presença, agora negoceiam e compram-lhe objetos. Mas, rapaz ou rapariga, Parvana é ainda uma criança, sem grandes conhecimentos de como se desenrascar. É então que conhece Delaware, uma outra menina, sua colega da escola, cuja aventura se assemelha. As duas, mascaradas de rapazes, submetem-se a diferentes trabalhos e tentam arranjar uma maneira de Parvana conseguir chegar ao seu pai na prisão.
A história de Parvana é acompanhada de uma alegoria que ela conta ao seu irmão mais novo, e mais tarde a Delaware. A história do rapaz que queria derrotar o Rei Elefante e que para isso necessita de três objetos: um que brilhe, um que emaranhe e um que acalme. A fábula conta a aventura do rapaz enquanto busca os três talismãs e confronta o seu inimigo. Apesar de ocupar grande parte do filme, redime-se no final, quando se cruza com o climax da história de Parvana. Faz o contraste de cor, pois a fábula é colorida por tonalidades de saturação forte, enquanto a realidade se preenche de tons pastel e acinzentados, assim como a sua natureza. As diferentes animações, ora na fábula, em que os objetos se sobrepõem em camadas de pouca profundidade, ora na narrativa principal, cuja tridimensionalidade de torna mais evidente, complementam-se e criam uma diversidade visual aprazível.
Acima de tudo, "The Breadwinner" dá-nos a conhecer um pouco mais da cultura afegã, do seu passado. Conta, de uma forma bonita e alegória, uma história que de outra forma seria difícil de suportar.
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