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Mindhunter: O fascínio pelo extremo lado negro da mente humana

Mindhunter (2017), com produção de David Fincher, que realiza também vários episódios, já nos tinha surpreendido ao contar a história de Ed Kamper, através dos olhos da equipa do FBI que deu início ao estudo comportamental e psicológico de assassinos em série. A primeira temporada foca-se essencialmente em Holden Ford (Jonathan Groff) , um novo agente especial na Unidade de Ciências Comportamentais do FBI.

Nesta segunda temporada a história expande à vida pessoal dos restantes personagens e introduz novos assassinos. Entre eles e estão Son Of Sam, Charles Manson e o já mencionado, na primeira season, BTK. 

O aclamado realizador que se solidificou no género de crime psicológico com "Se7en" (1995), um clássico contemporâneo, traz muito dessa estética para esta série. 

A dinâmica de Holden Ford e Bill Tench (Holt McCallanny) lembra Morgan Freeman e Brad Pitt em "Se7en" (1995) deixando sempre em aberto a relação de companheiro/inimigo que o agente mais experiente representa para o mais novo. Mas Bill e Holden encontram um espaço próprio que reinterpreta o arquétipo.
A série é comandada pela realização, distinguindo-se da normal predominancia guião/produção. O tom é tenso, negro e depressivo. É uma história de polícias e crimimosos, mas que não inclui acção ou violência, focando-se antes nos diálogos e dramas internos dos personagens, deixando toda a sua componente gore ser enunciada pelas descrições e palavras que sugere. Jonathan Groff, ator que interpreta de James Holden afirmou mesmo, numa entrevista, que um dos truques usados na sua audição foi falar em tom monocórdico  e sem musicalidade, uma sensação que se expande a outras dimensões da produção, que lida com banalidades da vida diária e com a monotonia de um trabalho de investigação que fascina milhares: traçar perfis de mentes extremas e violentas.

Quem nunca questionou as motivações que impulsionaram atos que se alheiam à compreensão humana comum? Quem nunca questionou a origem da perversão e da maldade?

Apesar de ser um cenário repetitivo, em que os agentes se deslocam e entrevistam vários crimimosos, os diálogos elaborados e recheados de conflitos e nuances, com a espetacular cinematografia, com longuissímas cenas, muitas vezes de apenas um shot, ganham vida e dinamismo e prendem a nossa atenção à procura dos mais pequenos indícios e pormenores sobre a vida emocional das personagens.

Tudo se passa no final década de 1970 quando se popularizou a noção de Serial Killer. A caracterização das personagens é feita ao pormenor, assim como a decoração dos ambientes.

Se Mindhunter (2018) peca por alguma coisa, é pela excessiva empatia que cria com criminosos autores de atos horrendos, advogando os seus vários lados e justificando, à medida que descobre, as suas acções. Mas é mesmo nesse ponto que a série toca, no fascínio que o público sente por mentes tão preversas e fora da normalidade. 

It takes one to know one
Ao escrutinar os motivos e as personalidades dos assassinos "Mindhunter" tenta muitas vezes criar uma ponte entre eles e os restantes seres humanos. Pessoalmente é uma ideia que me repulsa, uma vez que são criaturas capazes de sujeitar os seus semelhantes a um sofrimento inconcebível e por isso merecem mesmo ser renegados da raça humana. Mas esta ideia de empatia está sempre muito presente, seja ela fingida, como acontece quando os agentes estão no controlo, ou devido a lapsos de julgamento acharem que estão perantes um ser igual.

Além disso, das três personagens que compõem a equipa de estudo, todas elas têm uma ou mais características que se podem refletir nos seus objectos de estudo.

O instinto de Holden Ford é recorrentemente mencionado. A maneira como consegue conversar com os assassinos e empatizar com eles é sempre uma área cinzenta que nunca se sabe se vai longe de mais.

Dr. Carr é homossexual, em 1979, quando apenas alguns anos antes a homossexualidade tinha deixado de ser classificada como uma doença mental. Dessa forma nao deixa de ser também uma outsider, cuja vida dupla a mantém à parte da sociedade e cuja participação se baseia numa estratégia racional e elaborada, capaz de manipular percepções escondendo uma natureza que não é bem vista.

Bill não se interessa pelas políticas do FBI, sendo um agente competente que prefere manter-se à parte dos jogos de poder, sendo também por isso um pouco marginalizado. Além disso, toda a narrativa sobre o seu filho adoptivo, principalmente na segunda temporada, aproxima a sua vida pessoal da realidade com que lida profissionalmente.


Ainda não terminei a segunda temporada, mas David Fincher afirma que o plano para série são 5 temporadas, pelo que se for verdade, ainda podemos esperar por muito sumo. Porém a Netflix não confirmou ainda a terceira temporada. 

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