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Hellblade: Senua's Sacrifice


"Hellblade: Senua's Sacrifice" (Ninja Theory,  2017) é uma peça brilhante que conjuga uma temática profunda e muito bem trabalhada, a personagem principal, a jogabilidade a os ambientes visuais e sonoros numa experiência digna do tempo que pede. O jogo é relativamente curto, mas bastante intenso e já o queria jogar há bastante tempo.

O que não falta é material a falar sobre a concepção do jogo e da criação da personagem, nomeadamente os diários que acompanharam toda a produção, pelo que me vou focar aqui nos assuntos que têm, para mim, maior interesse. 

Senua é uma guerreira celta que sofre de perturbações mentais. Desde cedo vive com psicoses que são no jogo metaforizadas pela "escuridão" (ou darkness),  uma maldição que a persegue e se manifesta numa espécie de doença intravenosa que se vai apoderando do seu braço direito,  até chegar à cabeça.

Não me considerando eu especialista no assunto, agradou-me imenso a forma como o tema da psicose é neste jogo tratada. Desde o trabalho de investigação feito pelos criadores, Paul Fletcher (psiquiatra e professor em Cambridge) e vários pacientes, diagnosticados com perturbações mentais,  que trabalharam em conjunto para conferir realismo e conseguir expôr os sintomas de uma forma interativa para o jogador, até ao resultado final. Como é afirmado no documentário que acompanha o jogo "as pessoas que sofrem de psicose são, por norma, indivíduos extremamente criativos, capazes de criar uma realidade cheia de personagens e eventos e sentir-se totalmente imersos nela".

Logo no início do jogo somos avisados de que a personagem não tem vidas infinitas e que se perdermos demasiadas vezes qualquer save feito será perdido e a história reeiniciada.
Essa faceta mostrou-se mito,  depois de testada por vários jogadores que morreram muitas mais vezes do que seria suposto e foi posteriormente explicada como um criador de tensão,  de perigo iminente.

Numa tentativa de abranger os principais sintomas psicóticos,  como a criação de padrões não existentes na realidade objetiva,  a audição de vozes,  o sofrimento e desespero constantes,  a insegurança e desconfiança nas próprias habilidades cognitivas,  etc... Enquanto jogamos, somos apresentados com puzzles, ilusões que temos de resolver,  batalhas e segmentos narrativos para ordenar, que vão explicando o que despoletou a jornada de Senua, através das suas memórias e alucinações.

A doença mental de Senua apareceu muito antes, contexto que nos vai sendo dado durante o jogo. Mas catapulta-se quando regressa à sua vila celta, atacada pelos vikings e a sua comunidade destruída. Entre as vítimas encontrava-se Dillion, amigo e amor da vida da guerreira, capaz de a ver além das suas perturbações, entendê-la e amá-la.  Mais tarde sabemos que Dillion foi sacrificado aos deuses nórdicos num ritual sangrento conhecido por "blood eagle". Mas a jornada de Senua é até Hell,  o inferno viking que levou Dillion, na tentativa de o recuperar e trazer de volta à vida. Para isso tem de enfrentar inúmeros desafios e monstros, até chegar a Hella, a deusa guardiã de almas.


O jogo não apresenta tutoriais ou nada que se pareça, pelo que no início pode ser um bocado confuso. Apesar disso, logo que se percebe as mecânicas ora das ilusões ou das desfragmentações de cenário,  ora dos puzzles e batalhas, elas são constantes durante todo do jogo, trazendo assim uma sensação de recompensa. 

Há caminhos e portas que só podem ser vistos de certas perspectivas e/ou através de determinados ângulos,  o que leva a uma exploração mais ávida e comprometida dos cenários e dos seus segredos. Além disso,  as  dinâmicas vozes que acompanham toda a aventura relembram constantemente que estamos dentro da mente de Senua,  a ver a realidade da forma assustadora como ela a vê.

Senua é uma personagem forte e com a qual,  apesar de toda a paranoia e desespero,  é muito fácil de criar empatia devido à sua vulnerabilidade.  Senua é muito humana e o seu desejo de vencer a perda também. Todo este realismo torna mesmo,  por vezes,  o jogo difícil de digerir pois é das experiências mais bem conseguidas a tratar o tema.





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