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"The Handmaid's Tale": o livro e a série televisiva



Foi logo à data de estreia que a série televisiva "The Handmaid's Tale" me cativou, sendo desde então seguidora de tão ousada história. Baseada no livro homónimo de Margaret Atwood, que agora li, narra, na primeira pessoa, as vivências de uma criada, cuja missão é engravidar o maior numero de vezes, dentro do maior número de famílias possíveis, na distópica e ficcional sociedade Gilliad. É uma história  feminista que advoga os direitos das mulheres de uma forma dura e cruel, alertando-nos sobretudo para os perigos de fechar os olhos às injustiças que nos circundam. 

A Gilliad, emergente de um grupo de fanáticos machistas (dos quais fazem parte homens e mulheres), é o supra sumo do patriarcardo. Surge, de forma dissimulada, como resposta ao permanente desgaste ambiental, poluição e excesso químico no planeta, do qual a população vê a sua fertilidade consideravelmente reduzida, ameaçando a continuidade da espécie humana. 

As mulheres, confinadas a específicos papéis, vêm-se totalmente despojadas de direitos e à mercê de um poder que valoriza a sua obediência acima de qualquer outra coisa. Dentro das categorias mais mencionadas temos as "Wifes", esposas de Comandantes num estatuto de poder que não conseguem ter filhos dentro do casal a que pertencem; as "Handmaids", cujo papel é servir de barriga de aluguer, objetivo para o qual são formalmente violadas pelos seus Comandantes; as "Marthas", que cuidam das casas a que pertencem e as "Aunts", responsáveis por manter as revoltadas Handmaids na linha. Além disso existem categorias como as "Unwomen" e os "Gender Traitors", que incluem homens e mulheres, e dizem respeito a senhoras de idade que não são já capazes de reproduzir, ou rebeldes, e homossexuais, respectivamente. Todos estes rótulos servem para estratificar uma sociedade fechada e conservadora, em que todos têm papéis a cumprir e nada interessa além do sucesso completo em tal tarefa.  Falo neles em inglês pois foi como os recebi do livro que li e das legendas também, não querendo fazer traduções minhas que podem bater ao lado das oficiais. 


O livro e a série televisiva não são reflexo perfeito um do outro. Nem tão pouco têm essa pretensão. Ainda assim, Margaret Atwood, escritora e criadora desta realidade, serve de consultora na produção televisiva, conferindo credibilidade e autenticidade nas adaptações feitas. Da literatura para a televisão, há lugar para extrapolação de cenários e narrativas, inserção de personagens e omissão de outras.

Desde logo uma das diferenças é que, enquanto que no livro June (ou Offred, como é chamada enquanto criada) é descrita como tendo cabelos castanhos, na série apresenta-se loira de olhos azuis. Elisabeth Moss (June/Offred) faz uma interpretação estonteante, mas parece-me um pouco contraproducente que uma produção que se pretende apresentar como reactiva a ordens instauradas se deixe abraçar por tamanhos clichés, porque foi obviamente uma escolha consciente da alteração da aparência da personagem principal com o objetivo de a enquadrar nos ideias de beleza dominantes. Mas essa não é, obviamente, a mais relevante.

O facto da história ser originalmente contada de forma não linear, recorrendo a flashbacks para mostrar a evolução da realidade narrativa presente, proporciona uma grande liberdade que é explorada na série televisiva. Desta forma, apesar da história de June contida no livro terminar no mesmo ponto que termina a primeira temporada, permite-se à segunda temporada continuar a conter elementos presentes na literatura. Alguns dos flashbacks que se apresentam no livro são misturados com a parte da história escrita exclusivamente para a televisão, o que proporciona uma agradável dinâmica entre o que se pode encontrar num meio e no outro.

Outra expansão que a série faz é em contextos que no livro são apenas mencionados. A vida nas colónias, para onde são mandadas todas as Unwomen e Gender Traitors que não acabam enforcados, para trabalharem expostos a substâncias químicas mortais até perecerem,  é nos mostrada. Assim se passa também com a chegada e vida dos refugiados da Gilliad que conseguem fugir para o Canadá e com a interação com o mundo exterior, nomeadamente com embaixadores de outros países curiosos com a realidade da Gilliad e o seu sucesso no aumento da natalidade.

Também sobre o destino de Moira, amiga mais antiga de June e uma personagem cativante e irreverente, que não se deixa abater apesar dos horrores que vive, a série nos conta mais que o livro. E continuará a contar. 

"The Handmaids Tale" foi já renovada para uma terceira temporada.


Deixo duas passagens do livro que me agradaram especialmente:

"The tulips are not tulips of blood, the red smiles are not flowers, neither thing makes a comment on the other. The tulip is not a reason for disbelief in the hanged man, or vice versa. Each thing is valid and really there. It is through a field of such valid objects that I must pick my way, every day and in every way. I put a lot of effort into making such distinctions. I need to make them. I need to be very clear, in my own mind."

"Today it makes me think of a hat, the large-brimmed hats women used to wear at some period during the old days: hats like enormous haloes, festooned with fruit and flowers, and the feathers of exotic birds; hats like an idea of paradise, floating just above the head, a thought solidified."

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