Só neste último trimestre de 2025 cheguei às glórias de Riot Women, uma série da BBC criada por Sally Wainwright, que acompanha cinco mulheres de meia-idade de Hebden Bridge, em Yorkshire, que decidem formar uma banda punk. Sally Wainwright é também a autora da irreverente série televisiva de época Gentlemen Jack (2019) que já me tinha conquistado com a sua atitude desafiadora do status quo. Riot Women (2025) passa-se na contemporaneadade e retrata a vida de várias mulheres na casa dos 50 anos, em que todas vivem a experiência da menopausa e lidam com uma sensação de invisibilidade social. No meio do caos da vida com que se deparam, é através da música que começam a reencontrar a própria voz. A narrativa combina humor, drama e uma forte energia musical, explorando temas como saúde mental, envelhecimento, relações familiares, dependência e o peso das responsabilidades de cuidado. As protagonistas — interpretadas por Joanna Scanlan, Lorraine Ashbourne, Tamsin Greig, Amelia Bullmore e Rosalie Craig — dão vida a personagens complexas, cada uma com feridas, desejos e histórias que se entrelaçam no processo de criação artística. A série destaca-se pelo retrato honesto e sensível da experiência feminina após os 50 anos, raramente abordada na televisão, e pelo uso do punk como metáfora de libertação e resistência. Filmada sobretudo em Hebden Bridge e Calderdale, apresenta um forte sentido de lugar e comunidade. Lançada na BBC One em 2025 e disponível no BBC iPlayer, Riot Women (2025) recebeu elogios da crítica pela autenticidade, pela força do elenco e pela capacidade de equilibrar temas delicados com vigor emocional. O sucesso da primeira temporada levou à renovação imediata para uma segunda, consolidando a série como uma das obras mais marcantes de Wainwright nos últimos anos.
A perspetiva da escrita Riot Women relaciona-se de forma profunda com o female gaze, não apenas pela presença de protagonistas mulheres, mas pela forma como a série constrói o olhar, a sensibilidade e o foco narrativo. O female gaze, enquanto abordagem estética e ética, coloca no centro a subjetividade feminina, valorizando emoções, vulnerabilidades, relações e experiências que são normalmente marginalizadas. Em Riot Women, esse olhar é evidente tanto no conteúdo como na forma: a série observa as suas protagonistas a partir de dentro, respeitando a sua intimidade emocional, os seus medos, o humor que usam como defesa e a força que recuperam em conjunto.
A maneira como explora as suas relações e dilemas coloca-nos em confronto com as suas realidades e questiona-nos sobre a moralidade de cada situação, envolvendo-nos em empatia pelas personagens principais femininas e mostrando o mundo através de um olhar nem sempre visto. Interessa-me particularmente a forma como situações já muitas vezes apresentadas em narrativas audiovisuais, sejam de conflitos familiares, de abusos morais, sexuais ou conflitos internos ganham nesta narrativa uma nova dimensão.
A menopausa, tema que une as personagens e frequentemente tratada como tabu, invisível ou ridicularizada, surge aqui como uma vivência complexa, emocional e corporal, apresentada sem dramatizações estereotipadas. O female gaze manifesta-se na atenção aos detalhes não espetaculares: o silêncio depois de um ataque de ansiedade, a hesitação antes de cantar em público, a ternura entre amigas que se cuidam mutuamente, a frustração acumulada ao longo de anos de exigências familiares. Mas os temas não se esgotam por aí, abrindo espaço para temáticas próprias de uma geração mais jovem que se entrelaçam com a narrativa principal, numa teia de entreajuda e empatia.
A música punk, embora associada à rebeldia juvenil e masculina, ganha aqui um significado renovado: torna-se ferramenta de libertação emocional e de reconstrução identitária. Em vez de espetáculo externo, vemos o interior das personagens, o desespero do isolamento, a raiva reprimida, a alegria inesperada, o riso cúmplice. Esse processo de encontrar a voz é filmado com empatia e sem voyeurismo.
Ao centrar-se na experiência vivida e não no corpo espetacularizado, Riot Women torna-se um exemplo forte de female gaze aplicado à ficção televisiva. O que importa não é como estas mulheres parecem, mas o que sentem, o que desejam, o que perdem e o que reencontram. É essa perspetiva que faz da série uma obra tão relevante e singular e torna as suas personagens tão icónicas.
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